top of page

Fazendo a diferença: Tatuadora cobre cicatrizes para ajudar mulheres vítimas de violência a resgatar

  • Por Luciana Silva
  • 29 de set. de 2015
  • 4 min de leitura

“Algumas mulheres me procuram porque têm vergonha, diante das pessoas, das marcas que têm, outras por não quererem mais lidar com aquela imagem no espelho. Noto que, ao cobrirem a marca da agressão, elas superam outras coisas junto. A cobertura da marca traz consigo uma restruturação psicológica também”.

(Flávia Carvalho)



A Secretaria da Mulher visitou a tatuadora Flávia Carvalho, para conhecer de perto o projeto ‘A Pele da Flor’, que visa ajudar mulheres vítimas de violência, cobrindo, com tatuagens, as marcas das agressões deixadas em seus corpos.

Flávia nos recebeu em seu estúdio de tatuagem 'Daedra Art e Tattoo' localizado na região central de Curitiba, onde pudemos evidenciar a importância do projeto, bem como demonstrar todo nosso apoio e incentivo, e a cada palavra de incentivo Flávia sempre responde com muito entusiasmo: " Que bacana que gostaram! Obrigada pelas palavras e pelo apoio! Que legal"



Ela também foi vítima de agressão na adolescência e, embora não tenha ficado com marcas no corpo, entende como poucos a aflição das mulheres que passam por isso.


Apesar disso, foi impossível não observar o quanto a Flávia parece se amar como mulher. Em seu estúdio de tatuagens, sentada em frente a um grande espelho, observa sua imagem de tempo em tempo, não para “ajeitar” a aparência, mas como quem demonstra segurança e muito amor próprio. O que não surpreende, afinal, somente alguém que entende a importância disso, pode ter tanta sobriedade e propriedade para ajudar outras mulheres a recuperarem sua autoestima.


Seu papel junto ao universo feminino, é outra questão bastante clara para Flávia e seu posicionamento nos faz ter ainda mais certeza que, para fazermos algo que acreditamos, não é necessário nos enquadrarmos em algo que já existe. É compreensível que de um modo geral, as pessoas se sintam mais seguras com o pré-estabelecido ou com o que já "está pronto", mas é libertador saber que podemos criar nosso próprio jeito, sem estarmos presos àquilo que já está rotulado: “não me identifico com o feminismo atual e o feminismo atual não se identifica comigo. Percebo que só o fato de eu ser casada e ter filhos é um problema para algumas linhas feministas. Eu me considero feminista no sentido da palavra, mas nada do que está aí me representa”.


Quando o projeto foi idealizado, as principais dificuldades eram: Como chegar nessas mulheres? Como fazê-las saber do serviço? A princípio, Flávia procurou apoio em entidades com trabalhos voltados às mulheres, tais como ONGs, Associações e outras, mas ninguém se interessou pelo projeto. “Não estava procurando ajuda de custo. Até hoje, não procuro isto e não tenho nenhum tipo de ajuda neste sentido. O que eu queria era acesso a essas mulheres. Queria que alguém me ajudasse a divulgar junto a elas o projeto. Só isso”.


Decidiu então procurar apoio junto à Prefeitura de Curitiba. Apresentou seu projeto e conseguiu ajuda naquilo que era sua maior dificuldade: chegar até essas mulheres.


O projeto, rapidamente, ganhou notoriedade, e Flávia passou a ser procurada por mulheres vítimas de agressão: “agora, muitas mulheres conhecem o projeto e vem em busca de ajuda. Costumo conversar com a pessoa, perguntar a ela qual o seu estilo, que tipo de desenho prefere. Depois, juntas, vamos chegando a um acordo sobre o desenho que faremos”, esclarece Flávia.


Também chama a atenção na conversa a preocupação com as mulheres vítimas de agressão, por ela atendidas. Essa mulheres estão sempre em primeiro plano e são tratadas de forma particular e como indivíduos únicos que são, o que, certamente, é mais um dos motivos que justifica o sucesso do projeto: “muitos outros profissionais estão interessados em participar do projeto e, por mim, seria ótimo que isso se espalhasse e pudesse ajudar muitas mulheres. Mas tem coisas que me preocupam bastante. Muitos profissionais têm me ligado e eu noto que estão interessados na parte financeira e na divulgação da mídia, e isso não está certo, ninguém pode começar este projeto pensando nisso. Outra coisa que me preocupa é a qualidade das tatuagens. Não tenho como acompanhar o trabalho de todos e quero que as tatuagens saiam bem feitas. Tatuar sobre cicatrizes é bem complicado. A maioria dos profissionais foge disso”.


O ‘trabalho’ da Flávia não para por aí. As mulheres que vão em busca das tatuagens acabam contando as suas histórias de vida, e fazendo, muitas vezes, da mesa do estúdio de tatuagens, um divã: “acabo ouvindo sobre as agressões vividas por essas mulheres, ouvindo suas histórias de vida, e faço questão de mantê-las comigo, porque sei como isso é importante e particular. Tem momentos que penso em fazer um acompanhamento psicológico para poder lidar com essas questões. Porque, às vezes, não é fácil. Acabo pegando coisas demais pra mim”.


Além de cobrirem suas cicatrizes, as mulheres que buscam o projeto ‘A Pele da Flor’, também estão tentando refazer suas vidas e histórias: “algumas mulheres me procuram porque têm vergonha, diante das pessoas, das marcas que têm, outras por não quererem mais lidar com aquela imagem no espelho. Noto que, ao cobrirem a marca da agressão, elas superam outras coisas junto. A cobertura da marca traz consigo uma restruturação psicológica também”.



Ao fim da conversa, o que se percebe é a grande satisfação que este trabalho tem trazido às pessoas envolvidas, mas, que também é necessário muito mais altruísmo do que se imagina. ‘A Pele da Flor’ é um projeto de reconstrução de vidas e, como tal, não se conforma com nenhum tipo de inércia.


O término de cada tatuagem, é o início de uma história diferente para cada mulher agredida. Este é um projeto que transcende as paredes do estúdio, não acaba em horário comercial, não se limita a números e não é dado a burocracias. É um projeto que tem curso próprio e não se encaixa em nenhum processo de medição de resultados, a não ser que se invente uma auditoria para medir recomeços!





 
 
 

Comments


Posts Destacados 
Posts Recentes 
Siga-nos
  • Facebook Long Shadow
bottom of page